O jeito mais fácil de acompanhar seu movimento é o monitoramento geográfico e numérico: em que continentes, países, estados, municípios, bairros o vírus chegou; quantas pessoas contaminadas (testadas?), quantas internadas, quantas recuperadas, quantas morreram. Mas acaba que esse aspecto mais "visível" é mais abstrato do que tudo que não vemos.
Não vemos nossos horizontes se encolhendo, mas eles se encolhem a cada dia que não saímos de casa (e não vemos outras pessoas, outros cenários, outros climas, outras situações; não temos diálogos imprevisíveis, improvisamos menos, temos menos chance de expandir horizontes e sermos criativos). Convivemos menos agora com quem nos é diferente, e mais com quem parece conosco, com quem temos afinidade (por laço ou por assunto). A cada dia fazemos coisas mais e mais parecidas, reforçamos as mesmas sinapses e redes neurais, e vamos nos reduzindo...
Imagem: Mural do artista Eduardo Kobra
Sentimos, nos espreitando sem mostrar a cara, a angústia que vem de não sabermos o dia de amanhã. Nem quando esse amanhã chega, nem como ele será. Mesmo o que conseguimos projetar (que estaremos mais pobres, que a desigualdade vai aumentar, que a violência deve aumentar, que muitos de nós que continuaremos por aqui perderão entes queridos e estaremos de coração partido), a gente não consegue, hoje, saber em que dose, o quanto, e como nos sentiremos lá.
Nem sei se sabemos como estamos nos sentindo agora...
Ontem conversei com um amigo, e ele me disse "já estive melhor, hoje ando bem deprimido, cansado... exausto. Minha filha de 10 anos passou a ir pra minha cama toda noite."
E emendou com um "Mas está tudo bem, graças a Deus. Não tem como reclamar.".
Cara, não está tudo bem. Tem como reclamar sim. Não podemos, além de tudo o que nos oprime silenciosamente hoje nos impormos mais essa opressão. Isso é violência simbólica, e não ajuda a elaborar, a digerir, a processar e a sobreviver a essa coisa bizarra que estamos vivendo.
Podia estar pior? Podia, é fato, está pior pra muita gente. Mas também podia estar melhor, né? Podia estar bem melhor.
Poderíamos ter um governo que governasse e que nos desse um pouco de segurança (emocional, por assumir o comando, por estar coordenadamente fazendo o possível para reduzir nosso sofrimento). Poderíamos ter mais respiradores e hospitais bem equipados. Poderíamos ter políticas públicas efetivas, orientação e incentivos para fazermos uma quarentena decente.
Para além dos milhares de mortos, para além de evitar mais mortes, além de achar a vacina... como cuidamos de nossas humanidades? Dos que sobreviverem? Como cuidamos de manter viva a esperança necessária para reconstruir o que for preciso, como continuamos cultivando a alegria (não para fugir do necessário luto, mas para poder, depois dele, sacudir a poeira e dar a volta por cima)?
O sol há de brilhar mais uma vez... estejamos bem, cuidemos de nossos queridos e do que há de mais sensível em nós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário