quarta-feira, 22 de julho de 2020

Tamanho de mim

Somos medidos por tantas coisas... quais realmente importam?

 

Fulana é uma ótima profissional!

Beltrana é uma mãe maravilhosa!

Cicrana é a esposa perfeita!

Fulana é uma boa amiga.

Beltrana é uma filha exemplar.

Cicrana é uma super atleta.

Fulana é tão generosa...

Beltrana é linda e vaidosa, né?

Cicrana é muito inteligente!

 

Quais desses adjetivos se aplicariam a mim? Em quais me reconheço? Quanto de mim é cada coisa que podem dizer que sou, ou que não sou?

Não sei, nem sei se importa.

 

A maior parte do tempo eu me sinto eu. Tenho um contato frequente e refletido comigo, me alimento do meu silêncio e me acalento em minha própria companhia. Sou o que chamam de introvertida, introspectiva. Minha terapeuta diz que isso é profundidade. Nesses não raros momentos de estar só eu comigo, tudo o mais, o de fora, os rótulos, tudo que não sou eu mesma em mim é supérfluo e pequeno.

 

Daqui de mim avalio alguns adjetivos, e todos são completamente parciais. Acho que sou boa profissional, mas estou escrevendo isso ao invés de mandar para a chefa um e-mail de atualizações dos trabalhos da semana. Acho que sou boa mãe, mas tantas vezes sinto culpa, perco a paciência, mimo demais ou de menos. Sou boa esposa? Aqui tenho particularmente dificuldade em me avaliar... Achava que era boa amiga, porque adoro ouvir e evito dar conselhos, mas estou tão distante de quase todas as pessoas que mais tenho amor e amizade, que só posso me sentir uma amiga bem fajuta... E boa filha, sou? Depende da hora e da expectativa, tenho certeza. Sou meio desgarrada, e neguei tantas vezes o modelo que minha mãe tentou me passar... não deve ser tão fácil assim ser pai e mãe de mim. Atleta não sou, nunca fui (fingi ser por pouco tempo, e foi bem sofrido pra mim). Generosa? Sei não... Linda, vaidosa? Também deixo bastante a dever aqui, não por não considerar a beleza algo importante, mas porque prefiro ler livros, e brincar com minhas filhas, e conversar com quem amo, e ficar eu comigo, mais um pouco, eu comigo bem quieta por fora. Sou inteligente? Talvez, para o que me interessa. Gosto do que penso e sinto, que é tanto do que sou, gosto do que considero inteligência em mim, e sei que sou uma negação para conteúdos que demandam navegar numa cronologia e gravar nomes de pessoas e eventos (assim, geografia, história e política são coisas que não deixam memórias em mim, e me fazem sentir sem inteligência a cada vez que tento entrar em contato).

 

Meu tamanho é esse tamanho de mim mesma em mim. Não é pequeno, nem é grande. Na verdade, varia o tempo todo. E está bom assim.


quinta-feira, 16 de julho de 2020

O ilimitado absurdo

"Brasil chega a 2 milhões de infectados pelo novo coronavírus

País registrou 43.829 novas infecções e 1.299 mortes nesta quinta (16); total de óbitos chega a 76.822, mostra consórcio de imprensa"


Manchete de hoje do jornal Folha de São Paulo. 

Desses dois milhões de infectados, um é o presidente da República. O bolsonaro. Outra é minha tia. Outros 4, meu colega de SP, a esposa e os dois filhos. O pai de uma amiga-professora integra os dois milhões e os 76.822, assim como pessoas queridas de pessoas queridas minhas... 

Estamos há dois meses sem Ministro da Saúde. O último não havia durado um mês.

Temos recordes de desmatamento, queimada, assassinatos cometidos por policiais.

O ex-Ministro da Educação fugiu do país usando seu passaporte oficial, depois foi retrospectivamente exonerado. Ficamos um tempo sem, o novo assumiu hoje... a ver.

O advogado atual da família do presidente estava há um ano "escondendo" (ou mantendo em cárcere, vai saber) o miliciano amigo da família do presidente que está sendo investigado por crimes de corrupção no RJ (rachadinhas), mas que também era do escritório do crime e assassinou muita gente, mesmo enquanto era policial militar, antes de ser expulso junto com outro grande amigo policial corrupto e assassino que também se tornou miliciano, e que também estava escondido, mas que foi assassinado no início desse ano. 

Li em junho um livro muito bom chamado "As sobras de ontem", de Marcelo Vicintin. Um trecho em especial, que colo abaixo, me pareceu um retrato do Brasil em 2020. 

"A segunda lei da termodinâmica, uma das (poucas) leis fundamentais que regem nosso universo, descreve o processo de entropia, a partir do qual sistemas organizados tendem a dissipar sua energia gradualmente, rumo ao caos e à dissolução do sistema original. Isso não ocorre para criar algo novo e melhor, mas simplesmente para desmontar a ordem vigente. Uma vez estabelecido o caos, não há nenhuma lei (fundamental ou não) que sugira uma reconstrução da ordem perdida ou de alguma nova ordem. A entropia age de maneira unidirecional. E a direção é o caos."
 
Será que o fundo do poço está longe, tarda? Assistimos passivamente, uns mais que outros, o desmonte de uma nação. É triste.

Sem a pandemia já seria triste. Mas tem a pandemia. E não tem governo pensando em resolver como minorar os efeitos dela. Nos outros países (tirando EUA, caso à parte e modelo do presidente), depois do pico se iniciou a queda. No Brasil, temos um platô, exibindo ao mundo nossa total incompetência. 

A direção é o caos...

segunda-feira, 29 de junho de 2020

É só um pedaço da dor, mas dói...

Eu sinto sua dor, negra. 
Não toda, mas parte dela. 
Eu a olho nos olhos, e me dói, muito. 
Mas minha dor é um relance, um momento, um fragmento minúsculo da tua. 
Eu sei, mesmo que me doa, eu não posso alcançar o que você sente... 
É sua realidade, não a minha. 

A dor que me bateu te bate, e é todo dia... 
Não, não é justo, não mesmo. 
E eu sei que eu, branca, não sei, não tenho como saber. 
Estou ciente de que sua vida é mais difícil, e isso não é justo. 

Você é forte. 
Não quero romantizar isso, é uma merda ter de ser forte. 
Vejo de fora e espero que você se orgulhe da sua força. 
Você pode me mandar à merda: Ter de ser forte não foi uma escolha tua, ninguém te deu opção. 
Mundo injusto... 

Você é mãe, como eu. 
Tenho filhas e temo por elas, mulheres. 
A dor da mulher eu conheço, o sofrimento do machismo (mas mesmo aqui reconheço os privilégios que me cercam – acho que a maior parte das mulheres sofre mais do que eu). 
Você teme por seus filhos, eu sei. 
Vejo os jornais e penso que seu temor é tão maior que o meu... e não é justo. 
Seus filhos, negros, e eu tenho vergonha de viver num mundo onde isso acrescenta mais temores no coração de uma mãe... 
Suas filhas, negras, e te assombra um olhar que vem de fora, e te tira a paz, porque você quer o melhor para elas, o melhor para todos os seus filhos, e essa porcaria de mundo pode tratá-los mal... porque são negros... 

Sinto ódio dessa injustiça. Muito ódio. 
E sei que meu ódio é um fragmento, um relance, uma lasquinha do que deve ser o teu. 
Você tem toda a razão. 
O mundo te dá isso, a razão. 
E você preferia que não desse, eu sei. 
Você trocaria fácil essa “permissão” pra sentir dor, e medo, e ódio, por paz. Por justiça. Por igualdade. Trocaria sorrindo, é melhor ser feliz que ter razão, certo? 

Eu queria que te dessem essa opção. 
Eu quero que o mundo trate melhor seus filhos, suas filhas, você, seus pais, seus ancestrais. 
Eu quero que o mundo te peça desculpas de joelhos. 
Que te cubra de rosas brancas e te recompense por toda a injustiça, o medo, a raiva e a dor. 
Que você só seja forte quando quiser, e tenha opção de poder ser frágil sem que ninguém lhe magoe por isso. 

Receba minha empatia com todo o amor que consigo dar. 
Estou contigo pra desentortar o mundo. 
Minhas filhas e seus/suas filh@s merecem um mundo menos torto. E você também.

quinta-feira, 18 de junho de 2020

PANDEMIA

Em 2020 a PANDEMIA se espalhou pelo mundo.

O jeito mais fácil de acompanhar seu movimento é o monitoramento geográfico e numérico: em que continentes, países, estados, municípios, bairros o vírus chegou; quantas pessoas contaminadas (testadas?), quantas internadas, quantas recuperadas, quantas morreram. Mas acaba que esse aspecto mais "visível" é mais abstrato do que tudo que não vemos.

Não vemos nossos horizontes se encolhendo, mas eles se encolhem a cada dia que não saímos de casa (e não vemos outras pessoas, outros cenários, outros climas, outras situações; não temos diálogos imprevisíveis, improvisamos menos, temos menos chance de expandir horizontes e sermos criativos). Convivemos menos agora com quem nos é diferente, e mais com quem parece conosco, com quem temos afinidade (por laço ou por assunto). A cada dia fazemos coisas mais e mais parecidas, reforçamos as mesmas sinapses e redes neurais, e vamos nos reduzindo...

Imagem: Mural do artista Eduardo Kobra

Sentimos, nos espreitando sem mostrar a cara, a angústia que vem de não sabermos o dia de amanhã. Nem quando esse amanhã chega, nem como ele será. Mesmo o que conseguimos projetar (que estaremos mais pobres, que a desigualdade vai aumentar, que a violência deve aumentar, que muitos de nós que continuaremos por aqui perderão entes queridos e estaremos de coração partido), a gente não consegue, hoje, saber em que dose, o quanto, e como nos sentiremos lá.

Nem sei se sabemos como estamos nos sentindo agora...

Ontem conversei com um amigo, e ele me disse "já estive melhor, hoje ando bem deprimido, cansado... exausto. Minha filha de 10 anos passou a ir pra minha cama toda noite."
E emendou com um "Mas está tudo bem, graças a Deus. Não tem como reclamar.".

Cara, não está tudo bem. Tem como reclamar sim. Não podemos, além de tudo o que nos oprime silenciosamente hoje nos impormos mais essa opressão. Isso é violência simbólica, e não ajuda a elaborar, a digerir, a processar e a sobreviver a essa coisa bizarra que estamos vivendo.
Podia estar pior? Podia, é fato, está pior pra muita gente. Mas também podia estar melhor, né? Podia estar bem melhor.

Poderíamos ter um governo que governasse e que nos desse um pouco de segurança (emocional, por assumir o comando, por estar coordenadamente fazendo o possível para reduzir nosso sofrimento). Poderíamos ter mais respiradores e hospitais bem equipados. Poderíamos ter políticas públicas efetivas, orientação e incentivos para fazermos uma quarentena decente.

Para além dos milhares de mortos, para além de evitar mais mortes, além de achar a vacina... como cuidamos de nossas humanidades? Dos que sobreviverem? Como cuidamos de manter viva a esperança necessária para reconstruir o que for preciso, como continuamos cultivando a alegria (não para fugir do necessário luto, mas para poder, depois dele, sacudir a poeira e dar a volta por cima)?

O sol há de brilhar mais uma vez... estejamos bem, cuidemos de nossos queridos e do que há de mais sensível em nós.

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Brasil 2020 - precisamos de mais ciências humanas

Eu amo o Brasil. De verdade.
A língua, a música, as praias.
A simpatia, o abraço, o calor humano.

Mas tá foda.
Deixamos um governo de extrema direita se eleger, e eles querem pôr tudo abaixo. Tudo.
O povo, as florestas, as alegrias, as diferenças, a leveza, a arte, o SUS, a história, a ciência.
É tão tão tão absurdo que não tem palavras pra esse nível superlativo de absurdidade que quero declarar.

Enquanto morremos aos milhares de Coronavírus, estamos sem Ministro da Saúde (tem um militar interino lá, pau mandado do chefe que é anti-ciência e pró-morte), e discutimos mais o que se pode investigar da família do homi do que como poderíamos diminuir o número de infectados e mortos.

Mas não é isso que me agonia hoje. É porque nesse processo de retrocesso que estamos vivendo, a área da educação é uma das mais afetadas. Para além do ministro, que é uma coisa bisonha, temos um projeto político totalmente ideológico que se propõe a acabar com uma ideologia que só ele enxerga, e que quer que eduquemos nossas crianças sem nada de pensamento crítico, filosofia, sociologia, antropologia, e com uma história editada e rasa. Não que nossa educação fosse modelo antes deles, não era (ou não teriam sequer sido eleitos - falhamos desde sempre), só que agora é pior, porque é explícito, declarado e desejado: criemos ignorantes.

O que me agonia hoje tem a ver com o racismo que fingimos não ver. Não sou negra, e me sinto mais confortável de falar contra o machismo (que também fingimos não ver), mas é que o mundo, e particularmente os EUA, está tendo manifestações intensas e até violentas por conta de um assassinato de um homem negro pela polícia (George Floyd foi asfixiado por um policial que por longos minutos apoiou o joelho sobre seu pescoço, estando ele já imobilizado). Eles estão quebrando tudo, lá, na Europa. Aqui, quase nada.

Nossos negros sofrem diariamente com um racismo mal disfarçado, a não ser na fala (dizemos que não somos racistas, e que o povo brasileiro é uma grande mistura, que os negros aqui não são tão negros porque os brancos tb não são tão brancos e blablablá). No concreto, no dia a dia, nos olhares enviesados e desconfiados, no tratamento diferenciado, nos xingamentos, nas oportunidades negadas, eles sofrem racismo TODOS OS DIAS. Mas não quebram tudo. Somos um povo dócil?

Descendentes de africanos escravizados, açoitados, assassinados, maltratados, os negros sofreram outras violências, igualmente terríveis e talvez ainda mais duradouras: a violência simbólica. Negamos sua história, negamos sua luta, negamos sua revolta, negamos a crueldade histórica dos brancos para com eles.

Assista esse vídeo do Porta dos Fundos pra entender mais o que tento dizer aqui: https://www.youtube.com/watch?v=HiBUuOXqBYM

E leia esse texto, que explica bem melhor do que eu seria capaz:
https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2020/05/29/porque-os-negros-brasileiros-nao-se-revoltam-como-os-americanos/

Porquê os negros brasileiros não se revoltam como os americanos?
NONE MAY 29, 2020


Se você quer uma resposta simples, procure na pergunta. Brasileiro é brasileiro, americano é americano.

Mas acontece que negros de outros países também têm reagido às violências impostas a seu povo. Dos subúrbios de Paris ao bairro de Soweto, do hemisfério norte ao hemisfério sul, negros têm reagido.

Veja bem, a palavra violência ainda não entrou aqui.

Porque o mistério não é nem saber o motivo pelo qual os negros do Rio de Janeiro, por exemplo, não incendiaram a cidade inteira quando foi assassinada a menina Agatha, em setembro do ano passado.

O mistério não é saber porque os negros não reagiram de forma violenta.

O verdadeiro mistério é saber porque os negros sequer reagiram.

Voltemos à frase “acontece que negros de outros países também têm reagido às violências impostas a seu povo”. Taí. Mistério resolvido.

“Seu povo”.

O negro brasileiro é um negro único no mundo porque não se vê como um povo.

Não foi educado para se ver como um povo.

Não é educado para se ver como um povo.

O negro brasileiro foi programado para sequer se ver como negro.

Em 1835, na Bahia, os negros escravos islamitas planejaram um levante, a “Revolta dos Malês”. Tomar a capital Salvador matando quem estivesse na frente.

Educação. Como o judaísmo, o islamismo é uma fonte de educação fundamental (civilizou a Europa) e, principalmente, ensina um povo a se ver como um povo.

O negro brasileiro foi educado para cair no conto do vigário, na versão criada pela elite de que somos “um povo feito por muitos povos”.

Quem se alinha a esse estelionato demográfico, quem pensa que somos mesmo “um povo feito por muitos povos” são os brasileiros que pertecem às classes e raças privilegiadas.

O truque de convencer negros brasileiros de que somos uma grande e bela família diversa, tupis, cafuzos, loiros, negros. E, por isso, ninguém é tupi, nem cafuzo, nem loiro, nem negro. Somos a soma. Logo, negro, no Brasil, posto que aqui tentam nos conhecer de que não há raças, e sim amálgamas, não encontra nem a categoria “negro” para se ver.

E não se vendo, some.

Se em Londres a polícia assassinar uma menina Síria, a comunidade Síria, que se vê como povo, irá botar pra quebrar. Se uma menina rohingyas é estuprada num beco de Cox’s Bazar, na fronteira de Mianmar com Bangladesh, o povo rohingyas irá botar pra quebrar.

No Brasil, se uma menina da etnia negra é baleada nas costas o que vemos são dois meses de noticiários e hashtags.

O truque da deseducação do negro para não se entender como negro e, por consequência, não se entender como povo, como acontece com rohingyas, sírios, judeus e muçulmanos é tão perverso no Brasil que nossa identificação como povo se dá por vias de mercado.

Dispositivos que nos filiam, servindo de cortina de fumaça para vermos a que povo de fato pertencemos.

Exemplo 1 : Se um palmeirense é atacado por corintianos em uma estação de metro, “o povo corintiano” irá jurar vingança. Provavelmente, no confronto, vai gente preta matar gente preta.

Exemplo 2: Se um bandido de uma facção X for assassinado por outro, da facção Y, durante a tomada de uma boca de fumo, “O povo da facção X”, jurará vingança. E unidos, provavelmente veremos mais negros matando negros.

Fora do Brasil, negros são educados, desde criança, a se verem como negros. E todos os movimentos negros norte-americanos que partiram para o confronto, como os Panteras Negras, não o fizeram sem antes muitos estudar, ler livros sobre o assunto, produzir intelectuais robustos que os fizessem escapar da armadilha da “educação ocidental”.

O livro norte-americano “The Miseducation of the Negro”, “A deseducação do negro”, de Carter Woodson, escrito em 1933, é um dos faróis que não tivemos aqui. Apesar de aqui dançarmos até hoje as músicas do álbum “The Miseducation of Lauryn Hill”, onde a cantora fez questão de, na famosa capa do disco, ter imitado o design da capa do livro de 1933.

Seria como se o primeiro disco de Anita trouxesse na capa o geógrafo brasileiro negro Milton Santos.

Mas Anitta não tem culpa de nada. Ela, e você, não leram a fundamental obra de Carter Woodson. E ainda vêm dando sinais de despertar político. Não tem culpa. Nem ela, nem nenhum outro negro que não sabe que é negro, ou que não queria saber que é negro porque é algo que no Brasil dá trabalho, ou não se vê como parte de um povo que é antagonizado e excluído o tempo inteiro pelas etnias que detém o poder no país.

Nós negros brasileiros, fomos todos educados longe de nossa própria cultura e tradição e ligados às franjas da cultura do povo branco.

Todos os povos são lindos. Os brancos, os sírios, os rhohingyas, os judeus. Lindos todos. E todos se vêem cada um como um povo distinto. E não há pecado algum nisso.

Pelo contrário, ver-se como povo é a coisa mais linda que pode acontecer a um.

Como foi publicado aqui, na coluna de ontem, o que o povo preto quer não é nada que não seja dado a todos os outros.

O direito de respirar.

E, no caso do povo preto brasileiro, o direito de ver.

De se ver.

Autor Carter G. Woodson
Editora Medu Neter


Precisamos separar para enxergar: não somos um povo homogêneo. Temos várias histórias, várias culturas. Isso tem de ser estudado, respeitado, honrado, discutido. As minorias (mesmo que sejam maiores em número) não conquistarão espaços enquanto fingirmos que não há desigualdade, que está tudo bem.

Não tá tudo bem, caramba.

Tá foda.

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Todo ódio é ódio igual?

Todo ódio é ódio igual?
Não.
Meu ódio não é igual ao deles.
Por uns instantes me senti mal, e má, e como eles, pequena, raivosa.
Mas não, não é o mesmo ódio.

O ódio deles veio antes. O ódio deles quer importunar a paz, o amor, a leveza. O ódio deles quer destruir, brigar, e se alegra com a guerra. O ódio deles ama a violência, ama, a ponto de conseguir ser violento com quem está quieto. Eles são os que começam a briga, eles são o que xingam antes, e revidam ao xingamento que veio em resposta com um tapa, um soco e um chute.

Meu ódio não é assim. Meu ódio é reação. Tem desejo de vingança, e me doeu ver como estou longe de dar a outra face. Não, não evoluí a esse ponto. Se eu não era quem estava quieta, eu era quem assistia. Assisti a várias covardias. Ofensas a quem estava quieto. O ódio deles, surgindo do centro de seus obscuros e purulentos vazios, sendo atirado a tantos... índios, negros, mulheres, pessoas de esquerda, florestas, ciência, razão... De graça. Para machucar, criar dor, destruir destruir destruir. Eu vi. Muitos viram. Demoramos a acreditar, talvez até tenhamos achado que logo iria passar, ou que alguém faria algo para impedir. Mas não, não pararam. Não foram interditados. E meu ódio veio com força, e cresce agora a cada dia.

Quando ele, meu ódio, inflama, me sinto má: eu seria capaz de atos bem violentos. Como eles são. Mas não, não sou como eles. Não sou um deles. Meu ódio é ódio, mas não é ódio igual.
Porque o ódio que revida uma injustiça não é o ódio começou uma injustiça, que a cometeu. Porque o ódio contra o ódio não é o ódio contra quem estava quieto. Meu ódio nasce da indignação, e não de um vazio na alma. Meu ódio me faz humana, o deles os faz bandidos, assassinos, agressores, genocidas.

Um pedaço de mim tem dó deles: é muito desamor ser capaz de odiar assim, tão gratuitamente, tanta coisa e tanta gente. Pobres diabos... O coração e meio mole, mas a razão me traz de volta: se o desamor deles virasse só sofrimento, virasse pedido de ajuda, virasse arte ou poesia, aí caberia toda a compaixão do mundo. Mas se o desamor deles vira ódio, e destrói, e agride, e machuca, é meu ódio quem entra em cena, puro e justificado, belo e justo, necessário e focado.

Fascistas, não passarão.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Conformismo.


“A nossa indignação é uma mosca sem asas, não ultrapassa a janela de nossas casas... indigna nação”

A cada dia cavamos mais fundo o poço. A insanidade é tanta que perdemos os parâmetros, as referências... como povo, já não agimos. Já não associamos coisas básicas, como escolhas e consequências, causas e efeitos. Estamos conformados. Com a loucura, com a falta de sentido. Com a doença. Com as mortes.

Se sairmos mais às ruas, adoeceremos mais. Morreremos mais, muito mais. O Presidente mandou as pessoas saírem as ruas. Estamos morrendo mais. Mas ele acha que não tem nada com isso, não faz milagres (apesar de ser “Messias”).

Na Itália, país meio culturalmente desorganizado (como o nosso), quando começaram a morrer mais pessoas, o Estado as mandou ficar em casa e passou a multar quem saísse. No Brasil, morre-se. O Estado não tem nada com isso. As pessoas precisam trabalhar, a economia não pode parar. Mas cada um é dono de si, saiu porque quis, morreu por “azar”. E a gente engole... “é, isso, morreu por azar, coitado... tomara que eu tenha mais sorte...”. Conformados.

Os filhotes do Insano estão sendo investigados por crimes (que inclusive o colocaram e o mantém lá, no poder), e o que ele faz? Nomeia os amigos de seus filhos para os cargos de Ministro da Justiça e Diretor da Polícia Federal. Se isso fosse um filme, seria um filme trash. Mas mesmo para um filme trash, nós reclamaríamos da péssima qualidade do roteiro: que pessoas aceitariam tamanha insanidade? Óbvio que isso nunca aconteceria na vida real.

Brasil 2020: a vida real é pior que um roteiro ruim de um filme trash.

E a gente nem muda o canal, nem desliga a TV: seguimos assistindo pra ver se o poço tem fundo, conformados, rezando pra dar sorte e não morrer de azar...

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Reciclagem textual

Em 21 de maio de 2010 eu escrevi o texto abaixo:

Teoria x Prática - I
O mundo e o "mundo".

O mundo é o que existe mesmo, e é o que realmente é.
É a verdade concreta, sem juízo algum de valor, sem preocupação alguma com qualquer coisa que seja.

Do mundo, foi feito o "mundo". Tudo que vemos, sabemos, do que falamos, é só sobre o "mundo". Do mundo fizemos o "mundo", mas ao mundo nunca temos real acesso.

Sobre o "mundo" criamos o conhecimento. É ele que pensamos conhecer, quando pensamos sobre o que deve ser real. Sobre ele, criamos toda as nossas teorias. Testamos nossas teorias e achamos conhecer o mundo. Mas isso nunca será possível.

O mundo é um só e simplesmente É.

O "mundo" é tantos quantas são as coisas que pensamos e falamos sobre ele. Tudo é interpretação. E, sendo interpretação, é conteúdo mental, e está na cabeça de quem interpreta.

O problema é que os homens se esquecem disso. Confundem o "mundo" com o mundo. Confundem interpretações com saberes reais (que não existem).
E saem por aí, empuleirados em suas idéias, discutindo sobre o MUNDO. 'O mundo é capitalista', 'o mundo é egoísta', 'o mundo está errado', 'o mundo deve progredir'. 'O mundo é machista, o mundo é racista, o mundo é preconceituoso'.

Não, o mundo é, e ele nunca está certo nem errado: ele é, e só.

O "mundo" capitalista, egoísta, errado, atrasado, machista, racista, preconceituoso é um dos "mundos", pensado e construído por alguns dos homens. Pensar que esse "mundo" é o mundo nos impede de dizer: chega desse "mundo", vamos fazer outro!

Eu ando bem cansada do "mundo"... planejo uma reforma grandiosa, com direito a várias implosões e explosões nas cabeças das pessoas... me acompanha?

....

Fofo, né?
Eu era mais e era menos otimista com 30 anos, em 2010. Eu não era mãe, e o presidente era o Lula.
Dava pra ser mais e menos otimista então. O Corona já matou quase 3.000 pessoas no Brasil, com quase 44.000 casos confirmados (no mundo, mais de 182 mil mortes, e mais de 2,6 milhões de casos confirmados), tudo subnotificado.
Além de uma pandemia mundial, enfrentamos um governo lunático, que desacredita da ciência e dos fatos enquanto prega ideologias fascistas, machistas, racistas e preconceituosas. Mas não, isso não é mais apenas interpretação. Estou revendo meus conceitos, e mesmo não havendo A verdade, existem coisas mais verdadeiras do que outras. Nosso presidente é um criminoso estúpido hermético a qualquer bom senso ou bondade. Um Messias Vilão, um mito do mal.
Em 2010 eu não ainda conhecia Lacan, então falava do Real do mundo sem chama-lo de Real. O Corona é real. O "mundo" não. Cobrimos o mundo com nosso imaginário e o explicamos e debatemos no simbólico, mas ele sempre nos escapa (mesmo que não totalmente - alguma coisa a gente captura e vê) - afinal, mesmo com lentes de uma cor, digamos vermelha, posso distinguir formas (ainda que perca tonalidades e texturas).

Mas olha isso: em 2010 eu estava cansada do mundo. E planejava uma reforma grandiosa. O que planejo hoje? O que você planeja?

Quero sobreviver ao Corona e quero não perder ninguém.
Quero que o presidente se desintegre (real ou simbolicamente).
Quero que emerja uma nova mentalidade mundial mais humana e menos gananciosa.
Quero uma casa no campo e uma vida mais equilibrada.
E quero também um "mundo" bem menos capitalista, egoísta, errado, atrasado, machista, racista, preconceituoso.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Eterno retorno?

Poucas coisas me afligem mais do que me sentir amarrada em um lugar ou momento.
Lembro de como me afetou, de uma forma até hoje não totalmente processada, mesmo após vários anos, ler Nietzsche falando do eterno retorno. Trago aqui, para facilitar perceber o incômodo:

'
O mais pesado dos pesos. — E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência (...)”. Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: “Tu és um deus, e nunca ouvi nada mais divino!” Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse; a pergunta, diante de tudo e de cada coisa: “Quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?” pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir!
'

Forte, né? Minha vida é ótima, mas não seria divino ter de reviver, sem novidade, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro...

Mas heis que vivemos esse momento histórico terrível que é o atravessamento de uma pandemia mundial. Estamos em isolamento social (não total, até porque o presidente é contrário, pois prejudica a economia - morrer pode, deixar de trabalhar não), presos em casa.

Eu, que não tolero bem a sensação de estar presa, cá estou, numa quarentena. Presa no espaço sagrado que é meu lar, com as pessoas que amo tanto, mas presa sempre nos mesmos metros quadrados, entre as mesmas paredes. Tive dificuldade de saber que dia era hoje. Dia da semana (que costuma significar algo). Minha quarentena começou em 16 de março, hoje completa seu primeiro mês.

Presa em casa, não é só o espaço que é sempre o mesmo. As atividades de manutenção também são repetitivas. Fazer comida, comer, cozinha em caos, arrumar a cozinha. O chão se suja milagrosamente todo dia, mesmo sem praticamente haver entradas e saídas. Lavar roupas, pendurar roupas, despendurar roupas, guardar roupas, usar roupas (poderíamos fazer uma quarentena naturista??). Percebo o impacto da falta de mudança do ambiente, como um apertamento da subjetividade, da imaginação, do pensamento, de mim. Decidi escrever mais, pois isso me tira da repetição (cada texto é um texto, e cada momento, dentro de mim, é um momento único). Escrever registra minhas oscilações enormes de ânimo.

Resolvi também retornar a este Blog (e parar de usar um que seria coletivo, mas que hoje é casa abandonada onde só eu perambulava). E ontem resolvi reler coisas antigas minhas aqui.

Como já havia sentido em outras ocasiões, reler o que escrevi foi bom e foi ruim. Gostei de me rever mais jovem, percebo o que cresci e como eu já era tão eu. Mas uma coisa foi particularmente muito ruim... e por isso o eterno retorno me pareceu ainda mais de mau gosto. Achei mais de um texto falando do Bossal, chamando-o inclusive de primo-irmão do demo. Ele já estava lá, causando angústia e sofrimento. Hoje é o chefe de estado que acabou de demitir seu Ministro da Saúde, no início da pior parte de uma pandemia mundial, por divergências quanto ao isolamento e por inveja/ciúme, porque o Ministro estava com aprovação muuuuuuuuuito maior que a dele. Como a madrasta da Branca de Neve, não tolera alguém de seu desgoverno ser mais amado do que ele (o que é bizarro, pois tem se esforçado bastante para ser odiado, mas enfim...). Não, nem é ser amado ou odiado. Quer que só falem dele, só ele apareça, que todos se curvem a sua alta patente de coronel capitão de meia dúzia de estrelinhas que fica atrás da mesa com o cú na mão.

Não, eu não toparia viver isso de novo. Sai pra lá, demônio do eterno retorno... vá de retro e leve contigo esse seu parceiro...

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Quarentena - dia 31

Ninguém consegue manter uma emoção aguda por muito tempo. Nem raiva, nem tristeza, nem pânico.
O cenário tem piorado lentamente e imperceptivelmente. Os números sobem, mas ao nosso redor parece que nada mudou, que o tsunami deve ter desistido, e mesmo sabendo que só tende a piorar, a gente não vê nada, e fica tentado a sair na rua. A buscar um pouco de normalidade. Não dá pra permanecer tenso agudamente, vai se alongando no tempo e virando uma sensação de fundo... a gente sente um medinho, um desânimo parecido com o fim da tarde do domingo (independente do dia e hora em que estamos).
Estamos presos, mas estamos em casa, no nosso confortável lar, e isso é e não é uma prisão. Podemos sair, só não convém. Sair é perigoso por conta de algo que não se vê.

Algumas coisas doem mais. Tipo a saudade de quem está logo ali mas não podemos ver pessoalmente, bater papo, dar um abraço.

Domingo foi Páscoa, dia onde normalmente se compartilha bacalhoada e chocolate com a família. Nós aqui não temos muitos rituais e cerimônias (na verdade, só comemoramos de fato os aniversários), mas meus pais cultuam datas, e quiseram trazer ovos de Páscoa pras meninas. Malu é chocólatra, Elis não gosta (nem quer provar), mas desde minha infância me lembro como adorava os ovos que vinham com brinquedos, onde o chocolate pouco importava. Eles vieram, mas nem subiram. Vieram, de máscaras, e eu desci pra pegar os ovos, enquanto as meninas foram até a janela dar oi pra eles. Moramos no terceiro andar, e quando cheguei no pilotis minha mãe estava chorando, de máscara. Não pude abraça-la, como sempre fiz ao vê-la chorar. Falei “tá tudo bem, mãe, isso vai passar...”. Me segurei pra não chorar, tentei sorrir, peguei os ovos, subi e fizemos uma festa com as crianças, que sentem saudade e pedem os avós, mas que estão melhores do que nós. Senti muita raiva do vírus. Raiva da circunstância, de nossa insignificância frente a um ser invisível que nem vivo é, nem sei se é um ser. Essa coisa.

Em retrospectiva, talvez entendamos. Talvez. Talvez passe e acabe de uma hora pra outra, como um sonho ruim, e a gente acorde, faça sinal da cruz (pra quem for de sinal da cruz) e toque a vida. Talvez demore muito. Meses. E a gente esqueça a despreocupação com que muitos de nós vivíamos. Talvez eu perca alguém que amo (bate na madeira, pra quem é de bater na madeira), talvez algum conhecido, talvez ninguém. Mas pode ser que a gente não encontre sentido nenhum, e tenhamos que decidir (não como escolha, mas como consequência natural do que cada um de nós é) entre nos conformarmos ou nos modificarmos, ou nos rebelarmos, ou nos matarmos, ou nos amarmos, ou morrermos todos e fim. Sei lá.

Aqui em casa está tudo bem e todos sãos. Bj.

trinta e um - três - vinte

Trinta e um de março de dois mil e vinte. Terça-feira. Décimo sexto dia de quarentena, isolamento, clausura. De dias úteis, décimo segundo.

Causa da quarenta, COVID dezenove. No Brasil, hoje, às seis horas da manhã, quatro mil seiscentos e sessenta e um casos confirmados de infecção, cento e sessenta e cinco mortos.

Números. Sempre os amei. Nos momentos incertos e históricos como o que vivemos, eles são a estabilidade, a ordem, um calmante. Mesmo crescentes, eles são exatos. Somos mais de sete bilhões de humanos hoje. Há séculos vivemos por aqui, destruindo, construindo, adoecendo, nos curando, morrendo morrendo morrendo e seguindo por aqui, vivendo e fazendo arte, vivendo e fazendo guerras, sofrendo, dançando, amando, xingando, trabalhando. Milênios. Dois mil e vinte anos depois de Cristo, em nosso calendário católico.

As crianças estão em casa desde antes, desde o dia doze de março, e portando há catorze dias úteis, sem aula. São duas as crianças, e elas brincam e brigam o tempo todo, coisa de criança. Sabem do Coronavírus, abstratamente. Sentem falta dos avós, dos primos, dos amiguinhos, do parquinho, do clube. Mas estão com pai e mãe e vendo mais desenhos animados, estão bem.

Para além dos números, se saio deles, se foco nas palavras “mortos”, “infectados”, “dificuldade respiratória”, saindo dos números me entristeço mais. Já tive asmas e é só pensar em respirar mal que respiro mal, assim como falar em piolhos faz a cabeça coçar. Memórias do corpo.

Para os números, a pergunta é “quantos mais?”. Para o calendário, “até quando? Quando voltaremos ‘ao normal’?”. Mas para além do que é estável, exato, lá onde a angústia aparece, as perguntas se tornam mais complexas: “Quem morrerá? Como sairemos dessa situação, como seremos após tudo isso? Conseguiremos andar tão despreocupados quanto éramos até anteontem em lavar as mãos, sentar no chão, abraçar as pessoas?”.

Para todas as perguntas, a resposta está para além. Depois da travessia. Aguardando os sobreviventes.

Sobrevivamos.

puxado de publicação no https://decirblog.wordpress.com/

Aniversário da pandemia!

  Brasil. Pandemia. Vai fazer um ano... um ano de isolamento. Um ano de crianças sem escola, um ano de homeoffice . Um ano agradecendo que n...