quarta-feira, 15 de abril de 2020

Quarentena - dia 31

Ninguém consegue manter uma emoção aguda por muito tempo. Nem raiva, nem tristeza, nem pânico.
O cenário tem piorado lentamente e imperceptivelmente. Os números sobem, mas ao nosso redor parece que nada mudou, que o tsunami deve ter desistido, e mesmo sabendo que só tende a piorar, a gente não vê nada, e fica tentado a sair na rua. A buscar um pouco de normalidade. Não dá pra permanecer tenso agudamente, vai se alongando no tempo e virando uma sensação de fundo... a gente sente um medinho, um desânimo parecido com o fim da tarde do domingo (independente do dia e hora em que estamos).
Estamos presos, mas estamos em casa, no nosso confortável lar, e isso é e não é uma prisão. Podemos sair, só não convém. Sair é perigoso por conta de algo que não se vê.

Algumas coisas doem mais. Tipo a saudade de quem está logo ali mas não podemos ver pessoalmente, bater papo, dar um abraço.

Domingo foi Páscoa, dia onde normalmente se compartilha bacalhoada e chocolate com a família. Nós aqui não temos muitos rituais e cerimônias (na verdade, só comemoramos de fato os aniversários), mas meus pais cultuam datas, e quiseram trazer ovos de Páscoa pras meninas. Malu é chocólatra, Elis não gosta (nem quer provar), mas desde minha infância me lembro como adorava os ovos que vinham com brinquedos, onde o chocolate pouco importava. Eles vieram, mas nem subiram. Vieram, de máscaras, e eu desci pra pegar os ovos, enquanto as meninas foram até a janela dar oi pra eles. Moramos no terceiro andar, e quando cheguei no pilotis minha mãe estava chorando, de máscara. Não pude abraça-la, como sempre fiz ao vê-la chorar. Falei “tá tudo bem, mãe, isso vai passar...”. Me segurei pra não chorar, tentei sorrir, peguei os ovos, subi e fizemos uma festa com as crianças, que sentem saudade e pedem os avós, mas que estão melhores do que nós. Senti muita raiva do vírus. Raiva da circunstância, de nossa insignificância frente a um ser invisível que nem vivo é, nem sei se é um ser. Essa coisa.

Em retrospectiva, talvez entendamos. Talvez. Talvez passe e acabe de uma hora pra outra, como um sonho ruim, e a gente acorde, faça sinal da cruz (pra quem for de sinal da cruz) e toque a vida. Talvez demore muito. Meses. E a gente esqueça a despreocupação com que muitos de nós vivíamos. Talvez eu perca alguém que amo (bate na madeira, pra quem é de bater na madeira), talvez algum conhecido, talvez ninguém. Mas pode ser que a gente não encontre sentido nenhum, e tenhamos que decidir (não como escolha, mas como consequência natural do que cada um de nós é) entre nos conformarmos ou nos modificarmos, ou nos rebelarmos, ou nos matarmos, ou nos amarmos, ou morrermos todos e fim. Sei lá.

Aqui em casa está tudo bem e todos sãos. Bj.

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