quinta-feira, 26 de julho de 2012

Bobo!

Coração besta, coração balão, que bate a brisa oscila e sofre.

Sofre de besta, sem motivo e sem razão.

Será?

É só no fim do filme que se sabe seu final, se triste, se feliz.
É só lá que o motivo pra sofrer se apresenta como justificativa aceitável do sofrimento ou como brisa boba, besta.

É só no fim que se sabe se foi aventura, se foi catástrofe; se grande vitória, se enorme fracasso.

É só no fim que se sabe se "foram felizes para sempre", ou se foi tudo ilusão, ou se foi real por um tempo limitado. Só em retrospectiva, só depois que passou.

E o coração fica dando uma de economista, analisando cenários, prós e contras, fazendo gráficos, aplicando fórmulas, achando-se senhor da verdade e fazendo previsões que algumas vezes são precisas! Algumas vezes, quase nunca.

A vida prescinde de motivos e de lógica. Eu não. Coração balão balança bobo. Besta. Bosta.

terça-feira, 24 de julho de 2012

A fome e a gula.

Se havia fome de vida, acho que já está quase morta. A fome, não a vida.
Morta a fome de vida, de tanta vida que ando vivendo. Viva de vida de fome de vida morta.

Comendo vida, engolindo vida, respirando vida.

Cérebro a mil, a dez mil, a milhão. A ponto de eu não conseguir somar 8 + 8 + 12.

É, errei três vezes a conta, cérebro a milhão, passando muito rápido muito rápido por quase tudo, tudo o que ele não acha essencial. Tão pouco essencial como o resultado daquela conta de 2ª série.

É gula já. Gulosa da vida eu. Vida com abraços e beijos e horas de conversa com as amigas queridas, alma alimentada, ron-ron de gato, o leve torpor do vinho, o sol batendo lindo nas flores rosas dos ipês que cintilam em contraste com o céu azul embraquecido pela poeira da secura do ar da capital da República Federativa do Brasil em mês de inverno.

Gula de novidade, de quero mais, saber mais, conhecer mais, rir mais, dançar mais, falar mais, ouvir mais. Gula e fome de conhecer o meu mau lado sombrio, trazê-lo à luz, ser mais eu, eu inteira, sem vergonha de chocar o mundo, sem necessidade de chocar o mundo, permitindo-me simplesmente ser eu sem me importar com o olhar que acho que o mundo tem sobre mim. Sai de mim, auto-olhar-crítico, deixe-me, tenho fome, tenho gula, xô.

Sabe o mundo? Esse aí, ao seu redor, ao meu redor, ao redor de nós humanos? Fome e gula dele, do mundo, conhecê-lo. Os lugares, as comidas, as linguas, os gestos, as pessoas, as vestimentas, os animais, as músicas, as manias, as risadas, os cortes de cabelo, as cores das peles, os nomes, as frutas, os chocolates. Sem essa de que um dia a globalização vai tornar esse balaio homogêneo. Não vai, pode ficar parecido, mas é tudo diferente em sua raiz. E é diferente porque tudo que o homem ainda é incapaz de fazer é único. Cada pedra, cada peixe, cada ovo, cada cão, cada gato e cada passarinho, cada flor e cada fruta, tudo único. Que dirá você e eu, né? Únicos. Sou a única eu (e são várias eus nessa única!!) e único você, seja lá você quem você for (e quantos vocês houver em você).

E gula de tempo! Tempo tempo tempo, tempo pra devorar tudo que minha fome chama, que minha gula deseja. Tempo pra comer aos poucos e aos muitos tudo que me cerca, gente, música, letra, vida.

Tenho fome, gula e vontade de comer!

quinta-feira, 19 de julho de 2012

violência bumerangue

Criança que cresce sem apanhar é adulto mais feliz e sadio. Para a raiva, dê murros na parede. Depois que passar converse com seu filho como se você fosse uma pessoa civilizada! Assim ele aprenderá que não é com porrada que se resolvem os probleminhas do dia-a-dia...

Vítimas de agressão na infância podem se tornar adultos violentos

Estudo ouviu quatro mil pessoas em 11 capitais do país. Setenta por cento dos entrevistados disseram ter apanhado quando crianças.
Veruska Donato
São Paulo

http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2012/07/vitimas-de-agressao-na-infancia-podem-se-tornar-adultos-violentos.html

Pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo mostra que quem apanha na infância, muitas vezes, vira um adulto violento, que espanca crianças. Segundo o estudo, que ouviu quatro mil pessoas em 11 capitais, o agressor de hoje já foi vítima da violência na própria casa no passado.

“Quem sofre a punição física quando criança tende a aprender isso também como comportamento aceitável e como uma maneira de lidar com o conflito. Se ele não tiver outras maneiras, outros modelos ao longo da vida, isso tende a se repetir”, explica Renato Alves, pesquisador do Núcleo de Violência da USP.

Setenta por cento das pessoas ouvidas na pesquisa disseram ter apanhado quando crianças, sendo que 20% todos os dias. Foi esse grupo, dos que sofriam agressão com frequência, que admitiu que bateria muito nos filhos quando eles se comportassem mal.

A maioria dos entrevistados apanhava com vara, chinelo, palmada e pedaços de pau. “Geralmente você começa dando uma palmada até que essa aparente e inocente punição física se transforme em espancamento com pedaço de pau”, diz o pesquisador.

Para o juiz da infância e juventude, Luiz Carlos Ditomazzo, os casos que chegam ao Tribunal de Justiça de São Paulo mostram que o agressor pode ser tanto rico quanto pobre. “Nós costumamos dizer que a parede do barraco é mais fina, mas eu não tenho medo nenhum de afirmar que acontece na mesma proporção nas classes mais abastadas”, afirma o juiz.

Luiz Carlos defende uma lei mais dura do que a prisão para o agressor e a obrigação de tratamento médico: “Além da pena, da sanção penal, é preciso que haja a obrigação de um tratamento psicológico ou psiquiátrico”.

Na comparação com uma pesquisa feita dez anos atrás, o percentual de entrevistados que apanharam quando criança caiu de 80% para 70%.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Soul Parsifal

Música inspiradora de Renato Russo pra um fim de tarde de terça-feira fofa:

"Ninguém vai me dizer o que sentir
Meu coração está desperto
É sereno nosso amor e santo este lugar
Dos tempos de tristeza tive o tanto que era bom
Eu tive o teu veneno
E o sopro leve do luar

Porque foi calma a tempestade
E tua lembrança, a estrela a me guiar
Da alfazema fiz um bordado
Vem, meu amor, é hora de acordar

Tenho anis
Tenho hortelã
Tenho um cesto de flores
Eu tenho um jardim e uma canção
Vivo feliz, tenho amor
Eu tenho um desejo e um coração
Tenho coragem e sei quem eu sou
Eu tenho um segredo e uma oração

Vê que a minha força é quase santa
Como foi santo o meu penar
Pecado é provocar desejo
E depois renunciar

Estive cansado
Meu orgulho me deixou cansado
Meu egoísmo me deixou cansado
Minha vaidade me deixou cansado
Não falo pelos outros
Só falo por mim
Ninguém vai me dizer o que sentir

Tenho jasmim tenho hortelã
Eu tenho um anjo, eu tenho uma irmã
Com a saudade teci uma prece
E preparei erva-cidreira no café da manhã
Ninguém vai me dizer o que sentir
E eu vou cantar uma canção p'rá mim."

terça-feira, 10 de julho de 2012

"O amor na luta contra o preconceito"

O amor na luta contra o preconceito
28/06/2012 |

- Texto escrito por Karen Polaz e J. Oliveira, retirado daqui: http://blogueirasfeministas.com/2012/06/o-amor-na-luta-contra-o-preconceito/

"Escrevemos este post tendo em vista um duplo pano de fundo. Por um lado, hoje se comemora o Dia do Orgulho LGBT. Por outro, lamentamos mais um caso de homofobia e violência, ocorrido no último domingo, quando dois irmãos foram agredidos enquanto caminhavam abraçados. Um deles não resistiu aos graves ferimentos e acabou falecendo.

A partir disso, o objetivo do post de hoje é tecer algumas reflexões sobre o amor LGBT e sobre a importância do amor na luta contra o preconceito. Ao mesmo tempo, também queremos falar com você que, consciente ou inconscientemente, promove a lesbo-, homo- e a transfobia dentre seu convívio social. Em particular, desejamos chegar até aqueles que o fazem de propósito, que desqualificam e humilham um mundaréu de gente que não se enquadra na caixinha hétero/cissexual.

Não dispomos de um total controle por quem deixamos ou não de nos apaixonar. A paixão e o amor são complicados, porque se aproximam devagarinho e, de repente, vêm de uma vez só, fazendo a gente perceber como uma ou mais pessoas exercem um fascínio sobre nós, uma espécie de poder. Com tanto estímulo jorrando por todas as partes do corpo, é quase impossível ficar indiferente. Não tem jeito, o amor chega sem pedir e, muitas vezes, vem para ficar. E se esparrama.

Esse é um mecanismo que ocorre independente de nossa orientação sexual, se somos héteros, bi ou homossexuais, às vezes, até quando já estamos comprometidxs. E acontece, também, independente da vontade alheia. Portanto, se você acha que espancar seu/sua filhx adolescente consiste em um caminho eficiente para que elx deixe de se sentir atraídx por pessoas do mesmo sexo ou que deixe de se identificar com outro sexo que não seja aquele pré-determinado, esqueça, você está agindo muito errado. Ele/ela vai acabar se tornando uma pessoa amarguradx, enrustidx, cheix de pequenos infernos psicológicos, com possíveis problemas sociais e continuará sendo… quem elx é.

Avisamos aos navegantes que é assim. Ponto.

Se a orientação das pessoas não vai mudar segundo a sua vontade, religião, credo ou valores, por que insistir nisso? Por que não aceitar, simplesmente, amar e deixar amar? Como impor qualquer tipo de religião ou regras jurídicas ao amor? Por que a sua forma de amar vale mais que a dos outros? Por que julgar o afeto dos outros a partir do que você considera “normal” e do que você pratica?

Talvez a pergunta a se fazer seja: quem você pensa que é para achar que pode impedir que os outros amem?


Parada do Orgulho LGBT São Paulo 2012. Foto de Nacho Doce/Reuters.
Você não deve saber, mas tente imaginar o quão doloroso é estar em público, ao lado de alguém que se ama, mas, ao mesmo tempo, encontrar um abismo de distância por causa da discriminação. Não poder abraçar, beijar, sorrir pertinho um do outro, dar as mãos, buscar carinho… Tem que fingir que nada está acontecendo para não levantar “suspeitas”, com medo dos olhares repreendedores, do receio iminente da violência. E quanto mais educamos crianças para não conviverem com essas demonstrações de afeto em público, o estranhamento ao vermos namoradxs que não se enquadram no padrão hétero/cissexual continua sendo reproduzido, a sensação de que está “errado”, de que não é “normal” continua ali, viva. Mistificamos o que nos é genuinamente familiar, o amor.

Olhem esses exemplos do que as pessoas que não são hétero/cissexuais devem fazer, todos os dias, para fingir ter uma orientação sexual que não a delas, para não correr o risco de serem discriminadas ou sofrerem violência:

- não demonstrar afeto em público de qualquer tipo;

- evitar olhar qualquer tipo de pessoa com interesse;

- nunca dizer o gênero dx(s) ex e/ou atual(is);

- não fazer comentários que demonstrem sua orientação sexual, seja comentando sobre uma pessoa considerada bonita, usando gírias específicas, falando de lugares exclusivos etc;

- evitar possíveis gestos e “trejeitos” que apontem sua orientação sexual.

Difícil, né? Porém, difícil mesmo é para aqueles que necessitam conviver com essas regrinhas sendo marteladas no corpo inteiro, durante todos os dias da vida.

Por isso, estamos pedindo que o amor seja levado a sério na luta contra o preconceito. Para tanto, temos que tentar ocupar cada vez mais espaços que acolham os trans*, lésbicas, gays e bissexuais, criando um ambiente confortável para que todas e todos sejam aquilo que querem ser. Além disso, o apoio da família e dxs amigxs é imprescindível, a fim de promover um clima de autoconfiança e segurança para que o amor, em suas mais variadas formas, possa acontecer como deve ser: livre.

Vamos fortalecer a causa do casamento civil igualitário — os mesmos direitos com os mesmos nomes —, porque amar não é exclusividade de apenas um tipo de orientação sexual."

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Real virtual

Eu tenho uma relação estranha com o facebook.
Isso nada tem de anormal, você dirá, o que não existe é ter uma relação normal com o facebook. E eu concordo.

Direi-te então que olho para essa criatura com bastante curiosidade e perplexidade.

Lá estão reunidos grande parte de meus conhecidos e amigos, todos juntos sem se tocar, sem se falar, todos juntos numa única tela. Lá eu vejo uns poucos diálogos, mas centenas de monólogos diários. Lá as pessoas se fazem quem querem ser, "postam" frases que acham legal admirar, notícias que as tocaram e querem compartilhar, fotos de momentos felizes com pessoas queridas. E nesse se construir voluntariamente, escolhendo que pedaços revelar e que pedaços esconder, as pessoas transparecem mais do que gostariam... E demonstram sua carência, parecendo esperar um "boa noite" do mundo quando informam que vão dormir, um "que legal!" ou pelos menos alguns "curti" quando colocam um conteúdo que consideraram fantástico. Lá todos querem dizer ao mundo como deveriam ser para o mundo ser um lugar melhor! E estão todos certos! E todos errados...

Fico me perguntando se essa ansia de se mostrar ao mundo não inibe a necessidade de olhar para si mesmo... É como se falar de si, ou simplesmente postar qualquer coisa, fosse mais importante do que conhecer a si... quantas pessoas pensam três vezes sobre o que postaram, e porque postaram, e o que querem com aquilo, e se vivem de acordo com aquilo que querem que os outros vivam de acordo.

Vejo pessoas que não saem de dentro de si, mas estão lá se expondo, porque isso o facebook permite: você está fora de si e não está fora de si, está lá postado e bem dentro de si mesmo, sem lancar um olhar real ao outro, sem lançar um olhar real a si mesmo, mais preocupado em ser visto do que em enxergar o outro ou a si. Pessoas que não saem de verdade de dentro de si, que talvez acabem por, como disse o poetinha, morrer sem amar a ninguém, dizendo aos outros que quem de dentro de si não sai vai morrer sem amar ninguém. Porque é mais fácil "falar" do que ouvir, sempre foi...

Quando entro no facebook fico procurando em mim qual é a curiosidade que me faz querer saber o que importa aos outros, qual a carência que me leva a querer que saibam que estou ali, qual o afeto que me leva a curtir uns, ignorar outros...

Estar no mundo não é sair de si, conhecer-se a si mesmo e estar em contato com as próprias emoções não é estar isolado do mundo. Saiamos pois de nós, mas carregando conosco nós mesmos, sabendo que mais importante do que o olhar do outro sobre nós é o nosso olhar sobre nós e o mundo.

Ou, claro, posso estar totalmente errada! =)






quinta-feira, 5 de julho de 2012

Calligaris e a "Cura gay".

Colo aqui porque concordo em gênero, número e grau.
Que tal se ao invés de nos preocuparmos em "corrigir" o que não está errado nós simplesmente aceitássemos que as pessoas são o que são, e não o que achamos que deviam ser... São diferentes (que bom!) e únicas, e cada um tem seus desejos, seu modo de ver a vida e estar no mundo...

O que precisa ser corrigido é o inxirimento de meter o bedelho na felicidade e gostos alheios, em querer impor a outros algo que se tem como certo, e, principalmente, temos que corrigir a agressão infundada e causa de sofrimento ao qual submetemos pessoas que só querem o direito, garantido por constituição, de não sofrerem discriminação.

A matriz heteronormativa com a qual ainda tantos de nós tenta ver o mundo (homem hétero e mulher hétero) já nasceu ultrapassada... Dizer que as pessoas só devem ter relações sexuais com quem possam gerar descendentes é uma baita duma hipocrisia. Há séculos que o sexo não é limitado a esse fim (ainda bem, ou já não caberia gente nesse mundo).

Enfim, segue o texto do Calligaris!


Contardo Calligaris


A cura gay


Mesmo se quisessem, psicólogos e psiquiatras não saberiam modificar a orientação sexual de alguém


Em 1980, a homossexualidade sumiu do "Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais". Em 1990, ela foi retirada da lista de doenças da Organização Mundial da Saúde.


Médicos, psiquiatras e psicólogos não podem oferecer uma cura para uma condição que, em suas disciplinas, não é uma doença, nem um distúrbio, nem um transtorno. Isso foi lembrado por Humberto Verona, presidente do Conselho Federal de Psicologia, numa entrevista à Folha de 29 de junho.


No entanto, o deputado João Campos (PSDB-GO), da bancada evangélica, pede que, por decreto legislativo, os psicólogos sejam autorizados a "curar" os homossexuais que desejem se livrar de sua homossexualidade.


Um pressuposto desse pedido é a ideia de que os psicólogos saberiam como mudar a orientação sexual de alguém (transformá-lo de hétero em homossexual e vice-versa), mas seriam impedidos de exercer essa arte -por razões ideológicas, morais, politicamente corretas etc.


Ora, no estado atual de suas disciplinas, mesmo se eles quisessem, psicólogos e psiquiatras não saberiam modificar a orientação sexual de alguém -tampouco, aliás, eles saberiam modificar a "fantasia sexual" de alguém (ou seja, o cenário, consciente ou inconsciente, com o qual ele alimenta seu desejo).


Claro, ao longo de uma terapia, alguém pode conseguir conviver melhor com seu próprio desejo, mas sem mudar fundamentalmente sua orientação e sua fantasia.


Por via química ou cirúrgica (administração de hormônios ou castração real -todos os horrores já foram tentados), consegue-se diminuir o interesse de alguém na vida sexual em geral, mas não afastá-lo de sua orientação ou de sua fantasia, que permanecem as mesmas, embora impedidas de serem atuadas. A terapia pela palavra (psicodinâmica ou comportamental que seja) tampouco permite mudar radicalmente a orientação ou a fantasia de alguém.


O que acontece, perguntará João Campos, nos casos de homossexualidade com a qual o próprio indivíduo não concorda? Posso ser homossexual e não querer isso para mim: será que ninguém me ajudará?


Sim, é possível curar o sofrimento de quem discorda de sua própria sexualidade (é a dita egodistonia), mas o alívio é no sentido de permitir que o indivíduo aceite sua sexualidade e pare de se condenar e de tentar se reprimir além da conta.


Por exemplo, se eu não concordo com minha homossexualidade (porque ela faz a infelicidade de meus pais, porque sou discriminado por causa dela, porque sou evangélico ou católico), não posso mudar minha orientação para aliviar meu sofrimento, mas posso, isso sim, mudar o ambiente no qual eu vivo e as ideias, conscientes ou inconscientes, que me levam a não admitir minha orientação sexual.


Campos preferiria outro caminho: o terapeuta deveria fortalecer as ideias que, de dentro do paciente, opõem-se à homossexualidade dele. Mas o desejo sexual humano é teimoso: uma psicoterapia que vise reforçar os argumentos (internos ou externos) pelos quais o indivíduo se opõe à sua própria fantasia ou orientação não consegue mudança alguma, mas apenas acirra a contradição da qual o indivíduo sofre. Conclusão, o paciente acaba vivendo na culpa de estar se traindo sempre -traindo quer seja seu desejo, quer seja os princípios em nome dos quais ele queria e não consegue reprimir seu desejo.


Isso vale também e especialmente em casos extremos, em que é absolutamente necessário que o indivíduo controle seu desejo. Se eu fosse terapeuta no Irã, para ajudar meus pacientes homossexuais a evitar a forca, eu não os encorajaria a reprimir seu desejo (que sempre explodiria na hora e do jeito mais perigosos), mas tentaria levá-los, ao contrário, a aceitar seu desejo, primeiro passo para eles conseguirem vivê-lo às escondidas.


O mesmo vale para os indivíduos que são animados por fantasias que a nossa lei reprova e pune. Prometer-lhes uma mudança de fantasia só significa expô-los (e expor a comunidade) a suas recidivas incontroláveis. Levá-los a reconhecer a fantasia da qual eles não têm como se desfazer é o jeito para que eles consigam, eventualmente, controlar seus atos.


Agora, não entendo por que João Campos precisa recorrer à psicologia ou à psiquiatria para prometer sua "cura" da homossexualidade. Ele poderia criar e nomear seus especialistas; que tal "psicopompos"? Ou, então, não é melhor mesmo "exorcistas"?

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Em algum lugar entre o 8 e o 80!

Esse fim de semana assisti um episódio de He-man.

Retorno à infância... veio de volta aquela ilusão reconfortante de que "bom" e "mau" não estão nunca juntos, e que basta um olhar pra saber em que categoria cada pessoa/coisa se encaixa.

A gente cresce com isso, aprendendo isso, dividindo tudo em dois: certo/errado, bom/mau, bem/mal, fácil/dificil, alegre/triste, gosto/não-gosto, homem/mulher, isso/aquilo, doce/salgado, forte/fraco, claro/escuro.

Entendo a importância de termos categorias pra ver o mundo, mas às vezes penso que isso tudo é uma deseducação: no mundo as coisas são complexas, não se divide quase nada em apenas dois polos opostos. Não dá pra viver desprezando o contexto, desconsiderando que eu sou boa E má, que para a maior parte das questões não existe um certo apenas, que vários "errados" também estão certos, que vários certos também estão errados. Que entre os polos "homem masculino" e "mulher feminina" existem infinitas possiblidades de se ver e estar no mundo, que os "vilões" do mundo também são capazes de amar, e que as pessoas boas também causam sofrimento a outros.

Cresci aprendendo que era 8 ou 80, e que trabalho me dá agora entender que no mundo as coisas estão mais pra curva normal, 8 e 80 sendo os extremos e pouco frequentes, e que quase tudo no mundo está lá no meio, que a grande maioria das coisas e pessoas estão no 44, um pouco mais, um pouco menos... Quase nada é 8 ou 80.

É complexo apreender a complexidade.

Aniversário da pandemia!

  Brasil. Pandemia. Vai fazer um ano... um ano de isolamento. Um ano de crianças sem escola, um ano de homeoffice . Um ano agradecendo que n...