quinta-feira, 16 de abril de 2020

Eterno retorno?

Poucas coisas me afligem mais do que me sentir amarrada em um lugar ou momento.
Lembro de como me afetou, de uma forma até hoje não totalmente processada, mesmo após vários anos, ler Nietzsche falando do eterno retorno. Trago aqui, para facilitar perceber o incômodo:

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O mais pesado dos pesos. — E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência (...)”. Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: “Tu és um deus, e nunca ouvi nada mais divino!” Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse; a pergunta, diante de tudo e de cada coisa: “Quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?” pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir!
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Forte, né? Minha vida é ótima, mas não seria divino ter de reviver, sem novidade, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro...

Mas heis que vivemos esse momento histórico terrível que é o atravessamento de uma pandemia mundial. Estamos em isolamento social (não total, até porque o presidente é contrário, pois prejudica a economia - morrer pode, deixar de trabalhar não), presos em casa.

Eu, que não tolero bem a sensação de estar presa, cá estou, numa quarentena. Presa no espaço sagrado que é meu lar, com as pessoas que amo tanto, mas presa sempre nos mesmos metros quadrados, entre as mesmas paredes. Tive dificuldade de saber que dia era hoje. Dia da semana (que costuma significar algo). Minha quarentena começou em 16 de março, hoje completa seu primeiro mês.

Presa em casa, não é só o espaço que é sempre o mesmo. As atividades de manutenção também são repetitivas. Fazer comida, comer, cozinha em caos, arrumar a cozinha. O chão se suja milagrosamente todo dia, mesmo sem praticamente haver entradas e saídas. Lavar roupas, pendurar roupas, despendurar roupas, guardar roupas, usar roupas (poderíamos fazer uma quarentena naturista??). Percebo o impacto da falta de mudança do ambiente, como um apertamento da subjetividade, da imaginação, do pensamento, de mim. Decidi escrever mais, pois isso me tira da repetição (cada texto é um texto, e cada momento, dentro de mim, é um momento único). Escrever registra minhas oscilações enormes de ânimo.

Resolvi também retornar a este Blog (e parar de usar um que seria coletivo, mas que hoje é casa abandonada onde só eu perambulava). E ontem resolvi reler coisas antigas minhas aqui.

Como já havia sentido em outras ocasiões, reler o que escrevi foi bom e foi ruim. Gostei de me rever mais jovem, percebo o que cresci e como eu já era tão eu. Mas uma coisa foi particularmente muito ruim... e por isso o eterno retorno me pareceu ainda mais de mau gosto. Achei mais de um texto falando do Bossal, chamando-o inclusive de primo-irmão do demo. Ele já estava lá, causando angústia e sofrimento. Hoje é o chefe de estado que acabou de demitir seu Ministro da Saúde, no início da pior parte de uma pandemia mundial, por divergências quanto ao isolamento e por inveja/ciúme, porque o Ministro estava com aprovação muuuuuuuuuito maior que a dele. Como a madrasta da Branca de Neve, não tolera alguém de seu desgoverno ser mais amado do que ele (o que é bizarro, pois tem se esforçado bastante para ser odiado, mas enfim...). Não, nem é ser amado ou odiado. Quer que só falem dele, só ele apareça, que todos se curvem a sua alta patente de coronel capitão de meia dúzia de estrelinhas que fica atrás da mesa com o cú na mão.

Não, eu não toparia viver isso de novo. Sai pra lá, demônio do eterno retorno... vá de retro e leve contigo esse seu parceiro...

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