domingo, 3 de junho de 2012

Um sábado a noite...

Sábado. 23h40m.

Cenário: Sala do apê. Barulhinho de água correndo na fonte, fogos de artifício rolando em algum lugar. Eu sentada à mesa, com uma taça chique de vinho com cerveja Therezópolis dentro. Mafalda dorme empuleirada no sofá, Mathilde dorme encaracolada no tapete da cozinha.

Estou em casa desde que voltei da biblioteca da faculdade, 13h15m. Almocei, gastei tempo, dormi, acordei. O dia foi dedicado a um artigo que preciso entregar em duas semanas. Escrevi, escrevi, jantei, assisti dois episódios de uma série antiga (Sex and the City, adoro!), voltei a escrever.

O artigo trata da invisibilidade da violência sexual conjugal. Isto é, trata da dificuldade que as mulheres têm de, primeiramente, reconhecer que ser forçada ou coagida a fazer sexo com seus maridos/namorados/companheiros/ex é ESTUPRO e, paralelo a isso, a dificuldade que têm de denunciar seus parceiros por algo que algumas ainda conseguem ver como 'obrigação matrimonial'. Trata ainda da enorme dificuldade que alguns homens têm de ver as mulheres como PESSOAS, e não como coisas que lhe pertencem e estariam ali para satisfazer suas necessidades, sejam elas quais forem.

É um tema que embrulha o estômago...

E não é simples. Várias mulheres já aceitaram fazer sexo com seus parceiros mesmo sem estarem muito com vontade, e pelas mais diversas razões. Se está bom pra todo mundo, não está ruim pra ninguém. A questão é o medo de dizer 'não', ou ainda a impossibilidade de dizê-lo, ou pior ainda o 'não' que é dito e ignorado, atropelado, violentado.

Muitas vezes o marido ou namorado ou ex que estupra se utiliza de agressões, sejam elas morais ou físicas. Sim, chantagens, xingamentos, ameaças, que também são agressões contra a mulher, e são crime.

Invisibilidade. O homem agressor se sente no seu direito, a mulher agredida tem vergonha ou medo de dizer a alguém, de procurar ajuda, de denunciar. Às vezes chega ao absurdo de também achar que o homem realmente está no seu direito. E é sobre isso que eu escrevo.

Que tal alguns depoimentos para mostrar como está sendo minha noite de sábado?

“Ele pega, me deita na cama à força [...] Eu deixo, não tem como! [Se ela resiste, ele fala] ‘Você é minha mulher, está aqui pra que? Ah! É, né? Sua puta, piranha, safada! Você não quer transar comigo porque tu ‘fode’ com os outros...’”


“Teve uma época que eu fazia sem vontade (...) aí, quando ele virava pro canto e dormia, eu dizia ‘Graças a Deus!’ Eu ia pro banho, me lavava toda...”

“eu me senti imunda, eu me senti imunda, suja, porque juntou a raiva dele me pegar assim, só para satisfazer a vontade dele e não respeitar o que eu tava passando”.

É isso. Escolhi o tema porque ferve meu sangue ver o machismo materializado e fazendo estragos, causando sofrimento, destruindo vidas.

Sábado passado eu fui à Marcha das Vadias. Um dos slogans era "Não ensine suas mulheres a não serem estupradas, mas sim seus homens a não estuprar". Porque grande parte (se não for a maioria) dos estupros não acontece nas ruas, por desconhecidos ou conhecidos, mas sim dentro de casa, cometidos por aquele que se ofereceu para ser parceiro, para construir uma vida junto, muitas vezes o pai de seus filhos.

Eu fico realmente perplexa com a falta de empatia, de humanidade, de um homem se sentir no direito de invadir o corpo de uma mulher, de violar sua intimidade, de ignorar sua vontade, ignorar o sofrimento, ignorar a dor.

Sei lá, talvez seja por doer tanto em mim a dor dos outros... Eu simplesmente não consigo entender pessoas que não se importem em causar dor! E talvez por ser mulher, e tantas vezes ter me sentido tão vulnerável, tão assustada, tão indefesa... eu não consigo aceitar.

E agora que desabafei um pouco, volto pro meu artigo.

Passa da meia-noite... Desejo um bom domingo, e que você nunca passe por isso.

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