sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Super exposição, dessensibilização, banalização

Hoje, mais uma vez, o jornal da hora do almoço (no canal televisivo de maior ibope) mostrou pessoas sofrendo nas filas de hospitais públicos.

Ontem a manchete de outros jornais era os casos de pais, no Brasil e na Áustria, que mantinham suas filhas como prisioneiras e escravas sexuais, desrespeitando o que é, de acordo com a psicanálise, a lei primordial: a interdição do incesto. Estupro incestuoso e pedofilia, tudo junto.

Anteontem a notícia foi o grupo de crianças, de cerca de 13 anos de idade, que invadiram um hotel, roubaram uma camareira, foram pegos pela polícia e levados pra Fundação Casa, onde destruíram várias coisas antes de voltar pra rua.

Pode-se afirmar: O mundo está ficando pior!
Mas... será que podemos?

Poderíamos dizer que isso tudo sempre aconteceu, mas que agora nós, mais evoluídos e vitaminados e fofos que somos, ficamos mais chocados, menos tolerantes...
Será que isso é verdade?

Problematizando um pouco o que a mídia faz, acho fundamental buscarmos um olhar um pouco mais amplo, menos tapado.

Quem tem direitos leva junto responsabilidades. Pelo menos na teoria.

O papel da mídia é comunicar, informar. Ela não produz (ou não deveria produzir) informações, ela simplesmente a edita e traz até nós. Claro, antes de editar ela escolhe quais informações vai trazer. E se coloca como imparcial, como se não selecionasse, escolhesse o ponto de vista e o modo de edição. Apesar disso, ela não comete os crimes que traz pra dentro de nossas casas. Os crimes estão no mundo, são cometidos por outros humanos e nos chocam.

No momento, esse é o meu foco. Nos chocamos 3 vezes no jornal da manhã, mais umas 4 no jornal do meio dia, ficamos horrorizados com as notícias do jornal da noite, mesmo já as tendo visto (e já tendo ficado chocado com elas) durante o dia, acompanhando o mundo pela internet. Mundo que não pára um segundo de produzir informações que a mídia seleciona, foca por um certo ângulo, edita e traz pra dentro das nossas vidas.

A questão toda é que é mais do que sabido que nossa capacidade de nos supreendermos com as mesmas coisas é limitadíssima. Você sái na rua um dia e vê uma moça com franjão e calça de cintura alta. Você se choca: "Meu Deus, que coisa, essa moda bizarra ressuscitou das catacumbas do inferno?!".
Aí você continua andando e vê três mulheres juntas, amigas, todas de franjão e roupas de cintura alta, saias e calças. "Nó-cinhoura, ressuscitaram mermo... o mundo ta perdido...".
No dia seguinte, sua colega de sala chega de franjão e a dita calça. Você acha ela legal, olha com olhos um pouco menos críticos, e pensa "nela até que nem fica tão feio..."
Depois de uma semana sua melhor amiga adotou o look e, com mais duas semaninhas, vc passeando no shopping se apaixona por uma calça de cintura lá no pescoço! Experimenta e se sente liiiiiiinda! Sái de lá, vai no salão e pede pra fazer um mega franjão, que afinal combina tão bem com a nova vestimenta! A essa altura do campeonato, você é capaz de jurar que sempre achou tudo isso de extremo bom gosto!

Você assiste na TV um crime homofóbico. Fica horrozidado com a crueldade e a insensatez. Você fica sabendo de outros. A novela do tal canal, inspirada pela vida como ela é, cria uma cena de espancamento e assassinato de um jovem homossexual (a cena da novela te "choca" ainda mais que os crimes reais). Nas semanas seguintes, pipocam vários outros casos na mídia (ninguém se questiona se eles já estavam lá e virou moda mostrar, ou se quanto mais se noticia, mais a história se repete). Fato é que passam-se alguns dias e alguém comenta que um jovenzinho da sua cidade foi atacado por ser homossexual, e você não se choca mais. É capaz de falar algo do tipo "que coisa triste!" ou "é, o mundo ta assim", ou "essas coisas acontecem...". Você não se choca mais. Não fica com aquele ódio e indignação que te fariam mudar o mundo com as próprias mãos. Você simplesmente não consegue mais se chocar, porque o organismo humano não foi feito pra achar que as coisas repetidas são novidades.

Dessensibilização: "É o antônimo de sensibilização. Des(retirar) sensibilidade.
Método terapêutico com que se destrói ou diminui a hipersensibilidade existente em certos indivíduos alérgicos."

Éramos alérgicos à corrupção, à violência, à injustiça, ao descaso, à crueldade. Mas há anos estamos sendo dessensibilizados. Nossos organismos vão desistindo de reagir. É a sábia natureza, evitando que gastemos mais energia do que o necessário com coisas que, afinal, são tão comuns...

A mídia se isenta da responsabilidade: ela só noticia.

Hoje me choca a banalização e a dessensibilização a tudo que há de inaceitável, causada pela super exposição aos agentes alergênicos. Estamos virando um mundo de apáticos.

Mas sabe lá Deus quanto tempo leva até que até isso fique tão constante que eu nem com isso me choque mais...

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