quarta-feira, 14 de março de 2012

"Salvação"?

Avançando na discussão de ontem, recebi um texto muito bom que ajuda a entender de onde vem o poder da igreja evangélica e do neopentecostalismo.

Seguem trechos do texto, com minhas considerações logo após.

"...
O crescimento dos evangélicos não é um milagre, é resultado de um trabalho incansável de aproximação do povo que tem sido negligenciado por décadas pelas classes mais progressistas brasileiras. Enquanto a esquerda, ainda na oposição política, entre a abertura democrática pós-ditadura e a vitória do primeiro governo popular no Brasil, apenas esbravejava, pastores e missionários evangélicos percorreram cada canto do país, instalaram-se nas regiões periféricas dos grandes centros urbanos, abriram suas portas para os rejeitados e ofereceram, em muitos momentos, não apenas o conforto espiritual, mas soluções materiais para as agruras do presente, por meio de uma rede comunitária de colaboração e apoio. O que teve fome e dificuldade, o desempregado, o doente, o sem-teto: todos eles, de alguma forma, encontraram conforto e solução por meio dos irmãos na fé. Enquanto isso, a esquerda tinha uma linda (e legítima) obsessão: “Fora ALCA!”.

O mapa da religiosidade no Brasil revela nossa incompetência social: os evangélicos e pentecostais são mais numerosos entre mulheres (22,11% delas; homens, 18,25%), pretos, pardos e indígenas (24,86%, 20,85% e 23,84%, respectivamente), entre os menos instruídos (sem instrução ou até três anos de escolaridade: 19,80%; entre quatro e sete anos de instrução: 20,89% e de oito a onze anos: 21,71%) e na região norte do país, onde 26,13% da população declara-se evangélica ou pentecostal. O Acre, esse Estado que muitos acham que não existe, blague infantilmente repetida até mesmo por esclarecidos militantes de esquerda, tem 36,64% de evangélicos e pentecostais. É o Estado mais evangélico do país. Simples: a igreja falou aos corações e mentes daqueles com os quais a esquerda nunca verdadeiramente se importou, a não ser em suas dialéticas discussões revolucionárias de gabinete, universidade e assembleia.

O projeto de poder evangélico não é fortuito. (...) Ele é fruto de uma condição evangélica do país e de uma sistemática ação pela conquista do poder por vias democráticas, capitalizada por uma rede de colaboração financeira de ofertas e dízimos. Só não parece legítimo a quem está do lado de fora da igreja, porque, para cada um dos evangélicos e pentecostais, estar no poder é um direito. Eles não chegaram ao Congresso Nacional e, mais recentemente, ao Poder Executivo nacional por meio de um golpe. Se, por um lado, é lamentável que o uso da máquina governamental pode produzir intolerância e mistificação, por outro, acostumemo-nos, a presença deles ali faz parte da democracia.

[...]

A esquerda nunca dialogou com os evangélicos, nunca lhes apresentou seus planos, nunca lhes explicou sequer o valor que o Estado Laico tem, inclusive como garantia que poderão continuar assim, evangélicos ou como queiram, até o fim dos tempos."
(http://sensho.posterous.com/o-que-a-esquerda-deveria-aprender-com-os-evan)


Nem sei se é um contraponto a tudo que escrevi e li ontem, parece-me mais um olhar complementar. Não é caso de colocarmos "eles" contra "nós", mesmo que, em questões ideológicas, as posições possam ser diametralmente opostas e ferozmente debatidas.

Eu não consigo mais dissociar sociologia e psicologia: o sucesso crescente da Igreja Evangélica existe porque ela abraça os indivíduos, porque ela oferece algo pra sossegar a angústia e a falta que todos trazem na alma (e que alguns de nós conseguem apaziguar com estudos, discussões políticas, esportes radicais, álcool e outras drogas).

Além disso, a religião mais diretiva tem regras (limites) que muitas vezes faltam às pessoas (muitas vezes a socialização na infância é bastante negligente), e que são confortáveis porque tiram parte do incomodo que a liberdade traz: ter de tomar decisões o tempo todo, pensando por si só, é extremamente cansativo e angustiante. A liberdade requer grande responsabilidade, e é muito confortável, pra muita gente, ter alguém que lhe diga o que pode e o que não pode, o que deve e o que não deve (muitas vezes eu gostaria de ter quem decidisse por mim...). Além disso, quem não acha maravilhoso ter o apoio de toda uma comunidade e ter um Deus que esteja concretamente presente (pois a fé faz essa sensação de presença ser real) a seu lado em momentos complicados?

Talvez mais insolúvel que o problema do ovo e da galinha seja "descobrir" se Deus criou o homem ou se o homem criou Deus, ou ainda qual dos dois precisa mais da existência do outro...

As elites pensantes falham ao excluir os menos instruídos dos debates políticos. Eles sempre foram excluídos, usados como "massa de manobra" por direitas e esquerdas, mesmo que bem intencionadas, mas agora existe quem os ouça, e quem tem voz tem poder.

Só não sei como o Estado laico, ou partidos laicos, podem "salvar" essas almas (se é que elas estão "perdidas").

Na verdade não me incomoda nem um pouco todo o conforto e senso de pertencimento que a Igreja traz a essas pessoas convertidas.

O que incomoda e traz indignação, por seu potencial causador de dor e sofrimento, é a intolerância à diferença, é o se ver como mais certo e mais especial, o que sabe como "salvar" os outros, e se achar no direito de impor suas ideias ao resto do mundo. O que é intolerável é o convite ao ódio, à rejeição do diferente, a luta explícita contra a liberdade de pensamento e crença que sejam diferentes dos próprios pensamentos e crenças.

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