quinta-feira, 3 de maio de 2012

Faust moderno, Calligaris

Trechos de Contardo Calligaris, Faust Moderno:
"[...] Hoje (mas a observação já começa a valer na época romântica, quando Goethe escreve seu "Faust"), o sentimento é frequente, em adolescentes e adultos, de ter vendido a alma, sem que por isso Mefisto tenha tentado comprá-la. Diante de qualquer sucesso (inclusive nosso) agimos como se fosse coisa de empreiteira de obras públicas: levantamos a suspeita de que foi o fruto da venda da alma de quem se deu bem. Se conseguimos algum conforto (mesmo espiritual), é porque a gente se vendeu: traímos a nós mesmos. [...] Cada vez mais, somos livres para inventar nossas vidas. E o preço inevitável dessa liberdade é nossa indefinição. "Quem sou eu? Veremos: o futuro mostrará de que sou capaz." Quando o futuro chegar, a pergunta mudará: "Tudo bem, fiz isso e aquilo, até que me dei bem, mas será que fiz mesmo o que eu queria? Será que preenchi todo meu destino?". [...] Pois é, amigo, nunca vamos saber. Pois, justamente, o destino estava escrito naquela alma que a gente vendeu." Contardo Calligaris
Conheço essa sensação, esse não saber. Não sei se já senti que minha alma está vendida, mas conheço olhar pras minhas vitórias e sentir que vieram de um lugar que não me pertence, como se estivessem fora das minhas capacidades, além da minha dedicação. E não ter certeza sobre o meu "destino", se faço o que estava destinado a mim, ou então se na verdade nunca houve nada escrito, previsto, e se meu caminho eu o faço a cada dia, e se toda preocupação com o que serei, o que fui, como cheguei até aqui, se tudo isso vale nada: a vida é isso e pronto. Talvez seja mesmo que "a vida é isso e pronto"... alguns têm sorte, outros têm azar; alguns se esforçam e não chegam a lugar nenhum, outros se esforçam e chegam longe, outros não se esforçam e chegam longe também, às vezes até mais longe. E pronto. E se for? Ninguém comprou nossas almas, mesmo que às vezes queiramos que alguém nos livre do trabalho que dá ter uma. Só tem um jeito, que praticamente ninguém quer. O sucesso não vem "de graça", não pode ser trocado pelo que temos de mais valioso, só por preguiça de trabalhar por ele. E pode ser que você trabalhe muito e não chegue a lugar nenhum. That's it.

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