sexta-feira, 21 de maio de 2010

Artigo sobre o surgimento de palavras

Analogia Popular e Poética: Quantas palavras e expressões surgem no dia a dia, sem que tenhamos conhecimento de suas origens?
por Luiz Roberto Wagner*

Epêntese


Epêntese é um dos metaplasmos por adição de fonemas a que as palavras podem estar sujeitas conforme a língua evolui. No artigo "Metaplasmos ontem e hoje: usando o passado para entender o presente", da edição 18 da Conhecimento Prático Língua Portuguesa, Edmilson José de Sá explora o tema e explica:

"As mudanças mais comuns na fala espontânea ocorrem com acréscimos ou decréscimos de fonemas que geram outra forma de falar a mesma coisa. Ou seja, sincronicamente, essas 'mudanças' se expressam na observância da variação, que decorre não só da historicidade, mas também podem ser motivadas por outras restrições linguísticas ou a depender do status social do falante."

Se o latim stela deu-nos a palavra estrela, como surgiu o acréscimo (epêntese) do -r medial? A resposta é simples: esse fonema provém da analogia. No caso, da analogia com astro.

Em sua Gramática Histórica (1977), Ismael de Lima Coutinho afirma que "analogia é o princípio pelo qual a linguagem tende a uniformizar-se, reduzindo as formas irregulares e menos frequentes a outras regulares e frequentes". As línguas sempre recorreram à analogia para evitar alguma dificuldade de expressão, para obter mais clareza, para pôr em destaque uma oposição ou semelhança e para conformar-se com uma regra antiga ou nova.

Os casos de analogia pertencem ao domínio psicológico, embora alguns autores a associem com um ato da razão. Quando a criança adquire os conhecimentos mais rudimentares e necessários à vida, começa, nas suas tentativas para ser compreendida, a aplicar inconscientemente as noções obtidas a casos particulares. Quem nunca ouviu uma criança pronunciar eu fazi, eu trazi? Isso ocorre por influência analógica com outros verbos regulares que possuem o mesmo morfema número-pessoal -i, como em comi, bebi etc.

Coutinho assevera que a ação da analogia é exercida nos diferentes domínios da língua. Daí as suas conse-consequências se fazerem sentir na fonética, na morfologia, na sintaxe e na semântica.

A analogia fonética

A analogia fonética ocorre quando os fonemas ou sílabas são atingidos pela ação da analogia: o fonema -tde cafeteira decorre da influência de leiteira; o -lde floresta surge por influxo de flor.

Não são raros os exemplos extraídos de etimologia popular: tomando-se a palavra barriga, existe a forma braguilha, com sua correspondente popular barriguilha; com o verbo esgadanhar e por analogia a gato, criou-se o verbo esgatanhar. Na linguagem oral, o termo restorante talvez tenha surgido por influência da língua francesa que traz o fonema /o/ para o ditongo /au/ de restaurante, ou, menos provável, por analogia a resto.

As palavras ou frases estrangeiras estão sempre sujeitas às alterações populares. Muitas pessoas ainda mantêm a pronúncia americana em record (é), quando temos, em nosso léxico, a paroxítona recorde.

Ainda na fonética, é a analogia que causa a deslocação de acento tônico de várias palavras. Ao usarmos o termo rubrica (tanto para assinatura, como para orientação das personagens, em textos dramáticos), muitos usam a forma incorreta rúbrica, por influência de rubro.

Solecismo

Solecismo é a designação para os erros que atentam contra as regras gramaticais de concordância, de regência ou de colocação. O filósofo moderno Gilles Deleuze utiliza o conceito de solecismo nas suas reflexões sobre simulacro. A estética de Deleuze parte da ótica da relação entre corpo e linguagem e, para o filósofo, o solecismo é como o corpo, "capaz de gestos que dão a entender o contrário daquilo que indicam".

Burro, besta, toupeira
Também na edição 18 da ConhecCimento PráticCo LlínNgua Portuguesa está o artigo Insultos Raciais: a figura humana na caracterização popular e os nomes de animais, de Anderson Gonçalves Ferreira e Stella Atiliane Almeida de Sá, que trata das situações metafóricas com nomes de animais para caracterizar pessoas.

Na morfologia e na sintaxe

Muitas flexões de gênero, de número e de pessoa verbal são a base de toda a morfologia. Os nomes infante, parente, hóspede, pastor, português, outrora uniformes, consoante a origem latina, tomam hoje, por analogia, no feminino, o morfema -a. O verbo sei formou-se por analogia com hei; vivi criou-se por analogia com pretéritos regulares (devi, bebi etc.); cri vem de creí (creer). Foi, ainda, por analogia com seja que proveio esteja.

Sempre houve transformações na língua e continuarão a existir, mas a analogia tende a restabelecer a harmonia e o paralelismo das formas. Com o advento da informática e pela facilidade de conjugação, criam-se verbos principalmente de 1ª conjugação: deletar, escanear, printar etc.

É na regência verbal que ocorrem os casos mais comuns de analogia sintática. As pessoas manifestam a tendência para considerar transitivos diretos (maioria) muitos verbos que não o são: assistir ao espetáculo, perdoar ao inimigo, proceder à reunião, responder ao questionário.

Por analogia ao verbo pronominal implicar-se que é transitivo indireto (Implicou-se no tráfico de drogas.), encontramos, com muita frequência, o verbo implicar também com a mesma preposição "em"; sua regência é de transitivo direto. Portanto: Essa mudança implica muitos gastos. (evitando-se, assim, o solecismo).

O verbo preferir, pela sua equivalência de significação com querer antes, tem sido construído com o mesmo regime desta locução (Antes quero morar na cidade que voltar para o campo.). Na locução viciosa prefiro salgado do que doce, o que corresponde ao latim quam, não tem nenhum sentido. A construção pura é: Prefiro salgado a doce. - Quantas vezes lemos em livros de História: À escravidão os negros preferiam a morte.

Analogia semântica

O emprego de um vocábulo em sentido figurado é um recurso natural, de que se serve geralmente o povo para exprimir, com mais energia e rapidez, as suas ideias - essa é a analogia semântica.

Se um indivíduo é desprovido de inteligência, recebe os qualificativos de burro, besta, toupeira; se, ao contrário, é atilado, perspicaz, cabe-lhe o de águia; se é valente, corajoso, fica-lhe bem o de leão; se é manso, paciente, o de cordeiro. Muitas vezes, dependendo do contexto, essas analogias trazem-nos casos típicos de ambiguidade: o cachorro do meu vizinho, mataram o porco do meu cunhado etc.

Tradição da analogia

Por essa capacidade de instaurar um princípio de identidade entre elementos que, genericamente, são desiguais, a analogia aproxima-se de figuras como a alegoria, a comparação e a metáfora. Uma analogia procede sempre por identificação das semelhanças entre dois objetos genericamente diferentes; por isto se distingue da comparação, que pode estabelecer quer uma relação de semelhança quer uma relação de dessemelhança entre dois objetos. Estabelecemos uma analogia entre dois textos, por exemplo, para dizer o que os aproxima um do outro; se quisermos dizer o que os separa, mesmo na sua eventual similitude, estabelecemos uma comparação.

Da forte tradição filosófica do termo, interessará mais à literatura o procedimento analógico praticado por Platão, na República (VI, 508). Nessa obra, Platão estabelece uma analogia entre o Sol e o Bem: "É o Sol, que eu considero filho do Bem, que o Bem gerou à sua semelhança, o qual Bem é, no mundo inteligível, em relação à inteligência e ao inteligível, o mesmo que o Sol no mundo visível em relação à vista e ao visível." Esta analogia entre o Sol e o Bem estende-se à relação entre um pai e um filho, pois o Bem criou o Sol à sua semelhança.

Não por acaso, Aristóteles comentou que a capacidade de bem estabelecer relações analógicas é prova da genialidade de um poeta.

http://linguaportuguesa.uol.com.br/linguaportuguesa/gramatica-ortografia/21/analogia-158438-1.asp

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