quinta-feira, 3 de março de 2011

A criança em mim...

Antigamente, mil anos antes de existirem máquinas fotográficas digitais, em algumas revelações os laboratórios faziam uma coisinha engraçada: ao lado da foto no tamanho normal (que era menor do que o tamanho que se tornou padrão nos anos seguintes) seguiam duas miniaturinhas da mesma foto.

Uma vez minha mãe me disse que faziam isso porque as revelações eram caras, e assim as pessoas podiam recortar e dar as miniaturas pra alguém, tipo para cada uma das avós...

Fato é que um dia encontrei, não sei onde, as duas miniaturinhas (ainda coladas uma à outra mas longe da em tamanho normal) de uma foto minha, de quando eu devia ter uns 3 ou 4 anos. Estou eu sozinha, de shortinho e camisetinha, sentada na areia da praia, alguma praia, com as pernas à milanesa, numa posição que demonstrava minha mega flexibilidade. Tenho os cabelos curtos, como eu usava há uns poucos anos, bochechinhas e nariz marcados de hipoglós, e um sorriso de criança quando sorri pra foto. Olhando com atenção dá até pra ver meus dentinhos separados, que me dariam um apelido do tipo "Bob Esponja" se ele já tivesse sido criado...

Essa foto fica aqui colada no meu computador, no trabalho... olho pra ela e ainda me reconheço. Sou a mesma menina, de pensamento sincrético, perdida nos próprios pensamentos, brincando sozinha e feliz, sentadinha desengonçadamente...

Já tive medo dessa menininha, ela e o mundo pareciam não combinar, e eu temia a ela, e por ela... Um dia, pra proteger um do outro, prendi a pequena no porão da minha alma. Construí sobre o porão uma casa que combinava com a vizinhança, pelo menos o máximo que consegui. Ninguém sabia que minha casa tinha um porão...

Fiquei em pânico quando ela um dia me apareceu na sala de jantar. Havia achado a chave do porão e conseguiu sair de lá... foi com aquele sorriso da foto que ela me olhou, e eu gelei. Nada mais seria como antes.

Não sei se queria matar a menina quando a prendi, mas alegro-me hoje de vê-la tão bem. Ela conseguiu sobreviver e hoje está bem mais forte. Vejo que conserva sua pureza, sua alegria e seu brilho, e mesmo que continue não combinando com o mundo, já não temo tanto o encontro dos dois... pelo menos não por ela. Acho até que o choque fará bem pro mundo, essa vizinhança anda meio decadente...

Hoje convivemos bem, eu e ela, e posso dizer que nunca fui mais feliz!

Olho as pessoas ao meu redor, tantas casas duras e cinzas, e me pergunto: será que todas tem um porão, e cada um tranca ali sua criança?

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