quinta-feira, 24 de março de 2011

sombra no mundo

"Parece improvável que alcancemos qualquer sucesso no controle da guerra a menos que cheguemos a compreender a lógica da paranóia política e o processo de criação da propaganda que justifica a nossa hostilidade. Precisamos tomar consciência daquilo que Carl Jung chamou de "a sombra". Os heróis e líderes pacifistas do nosso tempo serão aqueles homens e mulheres com coragem para mergulhar nas trevas no fundo da psique pessoal e coletiva, e enfrentar o inimigo interior. As psicologias de profundidade nos presentearam com a inegável sabedoria de que o inimigo é construído a partir de aspectos reprimidos do self. Portanto, o mandamento radical "Ama a teus inimigos como a ti mesmo" indica o caminho tanto para o autoconhecimento como para a paz. Na verdade, amamos ou odiamos nossos inimigos na mesma medida em que amamos ou odiamos a nós mesmos. Na imagem do inimigo, encontraremos o espelho no qual podemos ver a nossa própria face com a máxima clareza.

Mas, espere um pouco! Não tão depressa! Um coro de objeções levanta-se dentre os adeptos da prática política do poder: "O que você quer dizer com criar inimigos? Não somos nós que fazemos o inimigo. Existem agressores, impérios do mal, bandidos e mulheres perversas no mundo real. E eles nos destruirão se nós não os destruirmos primeiro. Existem vilões reais — Hitler, Stalin, Pol Pot (líder do Khmer Vermelho cambojano, responsável pela morte de dois milhões de pessoas do seu próprio povo). Você não pode psicologizar os eventos políticos nem resolver o problema da guerra estudando os conhecimentos do inimigo."

Objeção concedida. Em parte. Meias-verdades de natureza psicológica ou política não têm condições de fazer avançar a causa da paz. Devemos ser tão cautelosos ao psicologizar eventos políticos quanto ao politizar eventos psicológicos. A guerra é um problema complexo, e não é provável que seja resolvida por qualquer abordagem ou disciplina isolada. Para lidar com ela precisamos, no mínimo, de uma teoria quântica da guerra — e não de alguma teoria unicausal. Assim como só entendemos a luz quando a consideramos como onda e partícula, só poderemos estudar realmente o problema da guerra vendo-a como um sistema que é sustentado por estes pares:

A psique guerreira e A cidade violenta
Paranóia e Propaganda
A imaginação hostil e Os conflitos geopolíticos e de
valores entre os países

O pensamento criativo sobre a guerra sempre envolverá a consideração da psique individual e das instituições sociais. A sociedade molda a psique; e vice-versa. Portanto, temos de trabalhar para criar alternativas psicológicas e políticas à guerra, mudando a psique do Homo hostilis e a estrutura das relações internacionais. Ou seja, trata-se tanto de uma heróica jornada no self quanto de uma nova forma de política compassiva. Não temos nenhuma chance de reduzir as guerras a não ser que observemos as raízes psicológicas da paranóia, da projeção e da propaganda; a não ser que deixemos de ignorar as cruéis práticas de educação dos jovens, as injustiças, os interesses especiais das elites no poder, os históricos conflitos raciais, econômicos e religiosos, e as intensas pressões populacionais que sustêm o sistema da guerra.

O problema da psicologia militar é como converter o ato de matar em patriotismo. De modo geral, esse processo de desumanizar o inimigo ainda não foi examinado atentamente. Quando projetamos nossas sombras, sistematicamente ficamos cegos para aquilo que estamos fazendo. Para produzir ódio em massa, o corpo político precisa permanecer inconsciente de sua própria paranóia, projeção e propaganda. "O inimigo" é, assim, considerado tão real e objetivo quanto uma rocha ou um cão raivoso. Nossa primeira tarefa é quebrar esse tabu, tomar consciente o inconsciente do corpo político e examinar as maneiras pelas quais criamos o inimigo."

Sam Keen

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